Numa tarde de outubro de 1989, fomos recebidos pela jornalista Maly Caran em seu sítio no município de Pindamonhangaba-SP. Na época, ela fazia um quadro na TV Bandeirantes, intitulado Cheiro de Mato, em que abordava vários aspectos sobre plantas medicinais. Naquele dia em que a chuva era intensa, que toda a água do céu parecia cair de uma só vez, num só lugar, ela caminhou conosco pelos canteiros e foi retirando as matrizes de melissa, menta, mil folhas, calêndula, cavalinha e chapéu de couro, sem se incomodar com o solo argiloso encharcado e liso, que nos fez ajoelhar no barro por duas ou três vezes seguidas...Após a colheita das plantas e acomodá-las em vasos, entramos em sua cozinha onde ela nos ofereceu o aconchego do seu lar, com deliciosos bolinhos de chuva, envolvidos em açúcar mascavo e nos serviu chá de canela com camomila. Mais de trinta anos já se passaram. Aquele encontro, que não durou mais de duas horas, deixou registrado em nós o entusiasmo daquela mulher imantada de amor pelas plantas medicinais. Ainda me lembro do que pensamos naquele dia: — Meu Deus, que força tem uma pessoa, que vive o que fala, sobre aqueles que estão desejosos de iniciar um caminho.
A Farmácia da Natureza foi iniciada sob a inspiração daquele “cheiro de mato” com a implantação do Horto de Plantas Medicinais em dezembro de 1995, sendo as primeiras espécies procedentes da Coleção de Plantas Medicinais da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP), cujo início se deu com o plantio das espécies cedidas pela Maly.
As primeiras ações realizadas na Farmácia da Natureza, na década de 1990, foram desafiadoras, pois não contávamos com recurso financeiro de instituições brasileiras de fomento para a aquisição de insumos e equipamentos, faltavam diretrizes políticas e legislações específicas para nortear um programa com plantas medicinais no Brasil e, principalmente, eram muito escassos os recursos humanos com formação na área médica para prescrever fitoterápicos, farmacêuticos especializados no controle de qualidade e produção de fitoterápicos, bem como eram reduzidos os agrônomos com experiência no cultivo de plantas medicinais. Mesmo assim, o trabalho foi sendo estruturado seguindo as diretrizes de Farmácia Viva propostas pelo emérito Professor Francisco José de Abreu Matos.
Em 1983 o professor Matos havia criado no Ceará o programa de Farmácia Viva com a estruturação de um Horto de Plantas Medicinais, com apoio da Central de Medicamentos do Ministério da Saúde (CEME) (MATOS, 2002). Após 11 anos, no XIII Simpósio Brasileiro de Plantas Medicinais, realizado em Fortaleza-CE, em 1994, vários grupos como o nosso foram orientados pelo Prof. Matos a estabelecer nos estados brasileiros Farmácias Vivas para atuarem na atenção primária em saúde utilizando fitoterápicos.
Assim, a Farmácia Viva denominada Farmácia da Natureza, sediada na Casa Espírita Terra de Ismael, iniciou suas atividades em 1995, no distrito de Jurucê, no município de Jardinópolis-SP, numa área rural de dezoito hectares, sendo 3,5 ha destinados ao Horto de Plantas Medicinais, onde são cultivadas mais de 400 espécies medicinais, sendo 150 espécies utilizadas como fonte de matéria prima para a produção de fitoterápicos, aviados em formulações oficinais e magistrais.
O Horto de Plantas Medicinais é uma porta de entrada para Farmácia da Natureza. As espécies estão distribuídas em um amplo jardim estabelecido em campo aberto e em um ambiente florestal formado por um bosque e uma mata ciliar, intercortada pelo córrego denominado Novato.
Além do Horto, a Farmácia da Natureza é formada por quatro unidades integradas: uma é reservada à produção de droga vegetal, outra à produção dos fitoterápicos, uma terceira ao controle de qualidade físico-químico, microbiológico e fitoquímico, e uma quarta ao ambulatório, onde a população é atendida gratuitamente por uma equipe de médicos que prescrevem os fitoterápicos.
Um fato importante que tem contribuído para viabilizar as atividades desenvolvidas pela Farmácia da Natureza é a atuação conjunta de duas universidades: a Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP) e a Universidade de São Paulo (USP), por meio da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP), as quais desenvolvem projetos de pesquisa, estágios, cursos, eventos e produção de conteúdos científicos relacionados a plantas medicinais e fitoterapia. Dentro desse contexto, foi estruturado um portal on line denominado Fitoterapia Brasil (https://fitoterapiabrasil.com.br) que reúne informações técnico-científicas e educativas curadas por especialista.